segunda-feira, 3 de maio de 2021

Segunda despedida

Sem música, dançaram devagar pela sala de estar. Ficando na ponta dos pés, ela beijou-lhe a ponta do nariz. 

- Você vai se apaixonar por muitas mulheres - Não se sabia ao certo se aquilo era uma previsão ou um pedido - Vai me esquecer. Vai ser feliz - ela dizia com um sorriso gentil. 

Katsuki tinha tanto preso na garganta que já não sabia sequer como começar a responder. Seus olhos se inundavam. Tudo o que conseguia fazer era balançar com a cabeça em negação enquanto segurava os lábios, tremidos.

- Vai planejar filhos só se você quiser. Você nunca precisou se curvar aos meus caprichos.

Ele não conseguia encontrar as palavras pra dizer que nunca se curvou a capricho nenhum; que os filhos também eram um sonho dele. Que cada enredo, cada fantasia, nasceu de seus desejos mais profundos e sinceros. Nunca foi por você. Sempre foi por nós.

- Você fez o certo libertando todas aquelas pessoas. Eu sei que doeu se desfazer de tudo o que você construiu aqui. 

Ochako segurou suas mãos com carinho. Não faltava muito pra meia noite, e o feitiço chegava ao fim. 

- Não estou mais brava com você. Sei que fez o que fez por amor - beijou-lhe os lábios com carinho. O silêncio de Katsu não a incomodava, porque ela sabia que ele sacrificara tudo o que lhe restou. Ele sabia que sentiria falta de sua compreensão gentil, e isso tornava tudo mais difícil.

Katsuki acariciou a barriga de Ochako. Ela tocou suas mãos em resposta. Olharam juntos para a proeminência redonda; o futuro que nunca teriam. 

Abraçando a barriga da esposa, ele caiu de joelhos, desistindo enfim de conter seu choro. Foi um pranto violento. Seu coração pesava como chumbo maciço; tanto quanto no dia em que a viu morrer; tanto quanto no dia em que se viu no terreno que compraram para erguer sua casa. Ter seus sonhos roubados de um jeito tão brutal doía igual, todas as vezes. Ochako tocou-lhe o queixo, fazendo-o erguer o rosto.

- Olhe pra mim.

Eles passaram sua última hora juntos encolhidos numa poltrona. Ela já havia aceitado seu fim iminente havia muito; ele não quis desperdiçar nenhum segundo que restava com ela em seus braços uma última vez. Katsuki adormecera em seu ombro em meio às lágrimas. Quando a noite ameaçava tocar seu ápice de escuridão, Ochako o despertou cuidadosamente. 

- Está na hora, amor - ela sussurrava.

Erguera-seu queixo, beijando-lhe pela última vez.

Seus lábios foram a última coisa a se desfazer em glitches.

E então, estava ele, mais uma vez, sozinho. No coração de um distrito inteiro, despovoado. Enterrando sua Ochako pela terceira e última vez, sentia um vácuo em seu coração, capaz de comprimir uma galáxia inteira.